“CUANDO SALI DE CUBA…”

Havana. “Havana Velha”, por oposição a “Havana Moderna”, esta mais… rica. Melhor será dizer “menos pobre”.

Havana Velha. Prédios degradados, escorados. Numa varanda sem resguardo, uma mulher estendia roupa, para secar, no segundo andar de um edifício a ameaçar ruína de um momento para outro.

Um companheiro de viagem, demonstrando profundo conhecimento, elucidava-me:

– Sabe, eles têm dois problemas: o “bloqueio” dos E.U.A. e a Revolução, que só começou em 1959…

Interrompi-o:

– Desculpe, em Portugal não temos bloqueio, mas também temos casas a cair; e quanto à Revolução, não é desculpa, a não ser que os cubanos sejam muito lentos. É que em Portugal, desde 1974 já tivemos tempo para fazer uma revolução, e uma contra-revolução – que já está em curso. Tenha paciência, mas não me convence.

O companheiro de viagem encolheu os ombros, e desatou a assobiar baixinho o “Guantanamera…”.

Praia de Varadero.

Chafurdando nas águas cálidas, a várias dezenas de metros da praia, ouço uma voz: “Donde es usted?”

Deparo com outro companheiro de banho e respondo: “ De Portugal”.

Ah! Portugal…”.

Conhece?”.

Que não, respondeu. Mas sua mulher é canadiana, e os pais dela são portugueses, explicou.

E de onde é você?” – perguntei.

Yo soy cubano!”.

Mostrei a minha perplexidade. Para ir até à praia, tinha de passar pelo hotel; e para passar pelo hotel, tinha de ser hóspede.

Mas ele explicou: não tinha que passar pelo hotel. Bastava-lhe vir a nadar.

Olhando melhor, reparei que o homem usava óculos de natação, barbatanas e equipamento ligeiro, para respirar.

Quieres comprar habanos puros?”

Obrigadinho, não fumo”.

Nunca me passou pela cabeça comprar charutos no meio do mar, de calção-de-banho vestido; mas em Cuba, é possível.

Pelos vistos.

Prolongou a conversa. Explicou que tinha sido empregado num dos hotéis da zona, mas que tinha sido apanhado pela polícia a vender charutos. Que, como se sabe, só podem ser vendidos em lojas do Governo.

Como penalização, pagou uma multa e foi expulso do emprego.

Claro que não acreditei. Que tivesse pago a multa, ainda vá; agora, ficar sem emprego só porque…

Confirmei a história com um empregado do hotel. Que sim senhor, que é verdade. É o que acontece a quem é apanhado.

Es Cuba. Pero… usted quiere puros Cohibas”?

O cubano passa necessidade; mas não mendiga. Pelo menos da forma a que estamos habituados – com a mão estendida.

O cubano aproxima-se, entabula conversa e, na altura julgada apropriada, pergunta se temos roupa que não queiramos. Não pedem dinheiro, nunca pediram dinheiro. Pedem sabonetes, roupa (”mesmo suja, nós lavamos”).

Quando se dá, a boca só diz “gracias”; mas os olhos, esses, falam que se fartam.

Para quem ainda não o conhece, em Cuba pode descobrir o prazer de dar.

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Um companheiro de viagem pretendeu comprar um medicamento. Fomos à “Farmácia Municipal”, onde lhe foi proporcionado o produto que pretendia.

Quanto devo?”, perguntou olhando para o preço (que não sabia se estava em dólares se em pesos).

Esta es una farmacia municipal, no tiene que pagar nada. Pero si quiere dejar algo…”.

A funcionária da farmácia olhou para mim: “Usted es portuguès”?

Respondi que sim. “Llevame una carta para Portugal”?

Uma carta? Por que não?

Explicou-me: tinha conhecido “un chico” que lhe deixou um número de telemóvel e um endereço para correspondência. Endereço do Porto.

Só que não conseguia ligação pelo telemóvel, e mandar uma carta pelo correio fica muito caro. Se eu não me importasse…

Claro que não. Li o endereço: Rua da Finlândia… Rua da Finlândia? Não conheço. Mas também não sou obrigado a conhecer todas as ruas do Porto.

Não existe, a Rua da Finlândia.

Ah! Grande portuga! Férias “com tudo incluído”, não é verdade?

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Os portugueses não levam a crise para Cuba.

Em Varadero os portugueses são mais que muitos. Só peço é que o Dr. Félix não leia isto. A poucos metros de mim, comentários em português:

– Olha. Estes devem ser ricos. Abandonaram as toalhas. Não lhes custa a pagar os dez dólares de caução.

– Deixa lá. Empurra as cadeiras para lá.

Passado pouco tempo, o grupo aumentava. Já eram para aí uns doze, todos ao molho sob a cobertura de colmo.

Ouve-se, em inglês (que eu traduzo):

– Vocês mexeram nas cadeiras…

Respondem, em português:

– Não te percebo, mas isto é tudo nosso. Estes lugares são todos nossos.

E a inglesa lá teve de ir procurar outras paragens.

Senti-me orgulhoso! Deve ter sido mais ou menos assim que os nossos ancestrais conquistaram o Império!

Infelizmente, aqueles portugueses chegaram a Cuba com mais de quinhentos anos de atraso.

Em Habana Velha, o problema da habitação é facilmente resolvido. As casas de estilo colonial, têm o pé-direito muito alto.

Simples: divide-se a altura por dois, intercalando um piso.

Trinidad, cidade Património Mundial.

Ali, a vida parou no tempo. Aliás, o tempo também parou. As casas, que os moradores mostram orgulhosamente, mantêm a traça e o mobiliário de antanho. Tudo conservado artesanalmente, que a mão-de-obra (como tudo, aliás) é caríssima.

Duas jovens aproximam-se e pedem roupa. Uma companheira de viagem lamenta, mas deixou a roupa no hotel… a mais de cinco quilómetros. “No hay problema”. Um olhar para a pulseira, e o hotel é identificado (nos hotéis, uma pulseira em plástico identifica não só o regime da estada mas também a própria unidade hoteleira). “Si estás en la playa por la tarde, te busco”.

Não havia transporte público desde Trinidad até ao hotel; mas as jovens lá estavam, na praia, prontas para receber a roupa.

Cuando salí de Cuba”… trouxe comigo uma enorme, profunda, vontade de voltar.

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